domingo, 4 de setembro de 2016

A Pressa



Foto: Reprodução/ Internet


Ei, você que anda por ai apressado
Já parou para enxergar quem está do lado?
Talvez a vida ande a passos largos
E o tempo corra mais rápido que os ponteiros do teu relógio biológico
Demonstro isso sem arrogância:
Quando caminhaste os primeiros 100 metros
Na praça, uma mãe amamentava a criança
No metrô, uma avó lia histórias para o neto
Mas você não viu
200 metros mais adiante
Casais celebravam o amor na avenida
Eles e elas só queriam igualdade e nada mais
Estavam por toda a cidade
Mas você não olhou pra trás
Hoje você não consegue mais andar
Quiçá se lembra dos meus avisos
Pois um tal mal lhe fez esquecer
Que a pressa estressa
Que o povo é que vive sem ter a vergonha de ser feliz
E que a vida é curta demais pra gente se negar a 'visualizar'
Quem e o que está debaixo do nosso nariz

Por: L.Artiaga

Berenice Piana: A mãe por trás da lei

Por Larissa Artiaga



 
Larissa Artiaga entrevista Berenica Piana (direita). Foto: Atila Geovani

Mãe é coisa de Deus. A mais bela das criaturas traz em seu ceio todas as outras. Quando não gere ela adota, acolhe, acalenta, tranquiliza as tormentas ao redor. Sempre me perguntei se existia um limite para o amor de mãe e nunca encontrei uma resposta exata. Recentemente conheci uma mulher cujo lema é “nunca, nunca, nunca desistam de seus filhos”. Seu nome é Berenice Piana e sua história de vida fornece o tom humano por trás da frieza numérica da Lei Federal 12.764, que institui a Política Nacional de Proteção aos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.

Sancionada em 2012, a Lei Berenice Piana se tornou o primeiro caso de sucesso no senado como legislação participativa e até hoje constitui-se como objeto de estudo de advogados, juristas e estudantes de Direito. Tudo começou com o olhar materno de Berenice acerca das necessidades pelas quais seu filho, Dayan, e os outros autistas passam diariamente.“Ser mãe de um autista é ser mãe amor, mãe sentimento, mãe doação. Nós matamos vários leões por dia, pois todos os dias temos uma batalha diferente. Nós nunca sabemos quais problemas iremos enfrentar com o próprio filho e com a sociedade em geral, mas isso nos fortalece”.

De acordo com a classificação do Ministério da Saúde, o autismo é um Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD), causado por defeitos em parte do cérebro, especialmente no cerebelo. Mas para aqueles que lutam ao lado de pessoas especiais, as rotinas elaboradas, o isolamento, os movimentos repetitivos e a ansiedade excessiva, sintomas característicos da síndrome, não são defeitos. O único defeito mesmo é a falta de políticas públicas.

Em um determinado momento, Berenice se viu tocada por essa lacuna. Até meados dos anos 2000 a legislação não considerava a pessoa autista nem como deficiente nem como pessoa sem deficiência, era como se os autistas “inexistissem” legalmente. Para Berenice essa invisibilidade era inconcebível e algo precisava ser feito para mudar essa realidade. Com o apoio de grupos de pais ela iniciou uma batalha para chamar a atenção dos políticos para a necessidade de uma lei que garantisse os direitos dos autistas.

Logo a batalha converteu-se em uma grande guerra não apenas contra o preconceito e a falta de informações sobre a síndrome, mas principalmente contra a burocracia. Armada de coragem e incentivada por seu pai, Berenice inicialmente tentou enviar e-mails para deputados e senadores com o intuito de sensibilizar os políticos.

Contudo, as primeiras tentativas caíram por terra, fracassadas. Os e-mails enviados com tantas expectativas sequer obtiveram respostas. Todavia, nada disso fez com Berenice esmorecesse, pelo contrário a luta se fortaleceu diante das adversidades. A mãe que ora se convertera em ativista , transformou-se em uma ávida espectadora das emissoras de TV do Congresso.

Nada disso era em vão. Enquanto assistia as votações em plenário, Berenice usava de psicologia.
Entre um intervalo e outro na programação, ela procurava traços de humanidade nos parlamentares, seja por um olhar, um sorriso, um gesto, alguém ali seria empático o suficiente para compadecer-se da causa, ela pensava quase que intuitivamente.

O palpite estava certo. Dessa vez, um novo e-mail carregado de esperança uniu os destinos de Berenice Piana e do Senador Paulo Paim (PT/RS). Paulo, que por trás do cargo também é gente, não só respondeu o e-mail como concordou com a necessidade de criação da lei. Para tanto, o senador sugeriu que o projeto fosse uma iniciativa popular por meio da legislação participativa.

Como resultado, milhares de amigos dos autistas lotaram o plenário durante as votações da proposta. A maioria vestia peças de roupas na cor azul, símbolo da luta pela conscientização do autismo. Após a sanção da presidente Dilma Rousseff, em 27 de dezembro de 2012, muita gente pôde comemorar, soltando o grito preso na garganta há tempos.

Esse é o caso de Silvana Modesto, mãe que há mais de 20 anos defende os direitos dos autistas.
Meu filho teve um diagnóstico tardio, aos oito anos, e na época ninguém sabia o que era autismo em Goiânia. Me lembro de ter tido desconfianças acerca da avaliação médica dele e levantei essas suspeitas aos pediatras, que negaram a hipótese de autismo. Tive que ir a São Paulo, onde o Victor recebeu o diagnóstico correto.” aponta

Hoje o grande anseio dos pais é conseguir tirar a lei Berenice Piana do papel. Na prática ainda há muito o que se fazer para que saúde e educação gratuitas estejam ao alcance de todos os autistas. No entanto, quem abraça Berenice Piana como eu tive a oportunidade de abraçar, fica marcado para sempre pelo lema “nunca, nunca, nunca desistir”.

Ao me despedir dessa mulher formidável, minha curiosidade de repórter dá lugar a uma última pergunta. - Qual mensagem de motivação você gostaria de passar para os familiares de autistas?- questiono.

Com muita paciência ela responde. - “Não errem por negligência. Não se desiste de um filho jamais, ninguém pode desistir de seu filho, quando eu não desisto do meu eu não desisto do seu e de tantos outros por ai. Deixemos o eu de lado e coloquemos o nós na nossa vida, porque sempre que olhamos para o coletivo estamos plantando o nosso futuro a longo prazo. Não abandonem a luta, vale a pena, vale muito.”


A história de Thais e a beleza de ser quem se é, amando outra mulher

Me dispus a escrever uma reportagem em virtude da semana que marca o Dia do Orgulho LGBT (28 de junho). Como qualquer jornalista ávido por notícias e boas histórias, procurei um ''personagem'' (como chamamos na linguagem da profissão), para compôr um perfil. Eis que encontrei Thais Cunha, que gentilmente se colocou a disposição para que eu pudesse relatar suas vivências.
   Quando pergunto sobre o processo de descoberta da sexualidade e autoaceitação, ela me responde em um 'clique' em nossa “reunião” moderna no whatsapp. Thais, a personagem, me prega uma grande peça. Logo de cara mostra que não é Cássia mas é tão “fera, bicho, anjo e mulher” quanto. “ Eu sempre me senti diferente, desde pequena eu odiava a obrigação que eu tinha de ser a "menininha" e de ter que ter aptidões todas como femininas. Brincava de bola na rua escondido, jogava as barbies em cima do telhado e aos 14 me vi atraída por um mulher. Mas só me aceitei lésbica com 17, antes disso me forcei a relacionamentos heterossexuais que me deixaram marcas um tanto quanto ruins.”
     Ao nascer nós somos encaixados em categorias, se é menino tem que usar azul, mas se é menina tem que usar rosa. O menino pode brincar de carrinho, bola, super-herói, mas ai dele se quiser brincar de boneca. Curioso, talvez tivéssemos menos casos de mães solteiras e filhos abandonados se deixássemos nossos garotos aprenderem a cuidar, a serem sensíveis, a chorar.
     As nossas meninas cabe o não como resposta. Não pode sentar de pernas abertas, não pode jogar futebol, não pode ter amizade com meninos, elas simplesmente não podem. Quando crescem os apontamentos não mudam, não podem usar saias curtas, não podem namorar quem desejarem. Ai daquela mulher que não se reconhecer como bela, recatada e do lar.
    A primeira das mulheres a não aceitar a condição de submissão ao homem foi Lilith, a primeira mulher de Adão. Demonizada na Bíblia (e aqui não quero entrar em polêmicas religiosas), ela é acusada de ser a serpente que levou Eva a comer o fruto proibido. Séculos depois a sociedade continua a culpabilizar as “Liliths” que não se enquadram no padrão de feminilidade e submissão.
   Valores machistas ligados a religiosidade se perpetuam ao longo da história. Na Grécia, o homem considerado a 'imagem e semelhança' de Zeus era cultuado como ser perfeito, e os relacionamentos entre homens eram plenamente aceitos. Em contrapartida, as mulheres, seres inferiores, deviam servir a função de meras reprodutoras.
   Há relatos de que na ilha grega de Lesbos, ocorriam iniciações sexuais entre mulheres. Porém, somente eram enviadas à ilha aquelas que deveriam se casar em breve, para que aprendessem novas maneiras de dar prazer aos homens, mesmo que ali ocorressem apenas relações homossexuais.
   Por todo um histórico de machismos, o amor entre mulheres é um ato revolucionário. Entretanto, como a educação das meninas as leva a esperar pelo príncipe encantado, perceber-se apaixonada por uma mulher pode ser um tanto perturbador, como conta Thais. “No primeiro momento eu me senti o máximo. Me imaginava como os personagens de novela, como os atores de filmes, dai do nada me veio o peso de pensar "isso é tão errado", mas o sentimento de que era natural já me acalmava, mesmo com dificuldade de aceitar. O tempo todo meu medo era do que os outros iam pensar ou fazer comigo quanto isso. Nunca pensei que era algo errado demais ou ruim demais, mas eu tinha uma melhor amigo que foi criado comigo e era gay também e via como era tratado, eu sentia medo daquilo acontecer comigo, eu via notícias no jornal e me imaginava naquela situação, eu sabia que ser gay não era errado mas que o mundo condenava isso e na minha cabeça eu ia morrer cedo se eu assumisse logo. Além do medo da família, decepcionar meus pais e parentes era uma parte que me angustiava, eu não conseguia imaginar o que iriam dizer que eu desesperava.”

Foto: Arquivo Pessoal de Thais Cunha

 O apoio familiar é essencial durante o lento e doloroso processo de experiência da sexualidade. Contudo, um núcleo familiar unido e acolhedor não faz parte da rotina de todos os LGBTs. Segundo censo realizado pela Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) da Prefeitura de São Paulo, entre 5,3% a 8,9% da população de rua residente na capital paulista pertencem a comunidade LGBT, e a ampla maioria mora nas ruas por causa da exclusão familiar.
    Felizmente o caso de Thais Cunha é diferente, ela conta com o apoio dos pais e do irmão. “Meus pais atualmente me aceitam me acolhem muito bem, e tenho um irmão de 11 anos que sabe de toda a situação e me da conselhos amorosos, apesar da idade ele me ouve muito. Meu avô materno foi o primeiro a saber e so me disse uma coisa: Pra eu me relacionar com quem me valorize. Minha mãe ja conheceu ex namoradas, viajamos todos juntos, hoje eu sou uma parte como outra qualquer da minha família.”
     Uma família estruturada e amorosa certamente torna uma pessoa LGBT mais forte para lidar com os desafios na escola, no trabalho e nos relacionamentos. Apesar das recentes conquistas como a despatologização da homossexualidade (1990) e a aprovação dos direitos à adoção e casamento civil, a homofobia persiste. O Brasil está em primeiro lugar no triste ranking dos países que mais matam travestis no mundo, segundo levantamento feito pela ONG Transgender Europe.
     Aos 15 anos de idade, Thais esteve cara a cara com a homofobia, descobriu que ódio tem rosto e não mora longe. “Eu tinha 15 anos e tava na fase de sentir atração mas não ter coragem de nada, meu jeito se vestir contava muito sobre mim já e eu ainda jogava bola. Dai eu nunca tinha beijado nenhum menino do setor como as colegas e começou a ter boatos sobre mim, dai numa noite indo no supermercado comprar o refrigerante pra janta como de costume, entre duas vielas dois homens numa moto me pararam e levaram pro beco, tinha um pedaço de pau la e me chutaram e bateram com isso, com o capacete, e falavam o tempo todo "vai apanhar igual homem, é isso que você quer ser né ?", fiquei um bom tempo com a marca do pé de um deles nas minhas costas, só contei pra um amigo na época, uma costela chegou a trincar, eu protegi só o rosto. Cheguei em casa e fui direto pro quarto e só falei que tentaram me roubar. Eu me recordo muito bem da voz deles e dos dizeres, e a partir disso eu tive medo e aceitei me relacionar com um vizinho meu, eu tentei ser hétero porque achei que na próxima iam me matar se eu insistisse em continuar como eu era.”
   A partir desse momento Thais refugiou-se. Buscou abrigo nas letras e a poesia não lhe negou o acalento de que tanto necessitava. Notou pela primeira vez que a ponta do lápis poderia transportá-la para outros mundos, especialmente para o seu próprio mundo interior. Diz ela que seus poemas são como válvulas de escape “é aquele grito preso na garganta, desde muito cedo me apeguei a escrita, influência linda do meu avô que é poeta, então eu sempre usei isso para desafogar as angústias e sentimentos.” conta
    De onde vem os sentimentos senão de nós mesmos? De dentro para fora, do nosso mundo particular para os mundos dos outros? O amor de mãe pode ser o maior de todos, o mais sublime e que desconhece limites, mas o mais instintivo talvez seja o amor próprio. Amor este que só de ser amor não pode ser confundido com egoísmo ou mesquinhez. Prefiro classificá-lo como uma imensa vontade de se sentir bem para estar bem com os outros.
     Por isso quando questiono Thais sobre a experiência que mais a marcou em toda a sua vivência enquanto pessoa LGBT, ela mostra novamente seu lado anjo, mulher, só dela e não de quem quiser ao dizer que do amor não tem medo, tem medo de quem brinca de saber amar:

“Falho, avacalho sempre que preciso me firmar.
 Caio, tropeço no medo, o receio mora onde a certeza deveria estar.
 Fujo, corro pra longe porque foi o que aprendi aqui nesse lugar. 
Penso que esse tormento não acaba porque eu não deixo o ponto final finalizar.
 Sou vírgula falante,
 anúncio ambulante fator determinante do que a maldade alheia é capaz de me causar. 
Não! Meu medo é o segredo que engoli pra não contar,
 do amor não tenho medo, tenho medo é de quem brinca de saber amar.”
- Cunha