Por Larissa Artiaga
Larissa Artiaga entrevista Berenica Piana (direita). Foto: Atila Geovani
Mãe é coisa de Deus. A mais bela das criaturas traz em seu ceio todas as outras. Quando não gere ela adota, acolhe, acalenta, tranquiliza as tormentas ao redor. Sempre me perguntei se existia um limite para o amor de mãe e nunca encontrei uma resposta exata. Recentemente conheci uma mulher cujo lema é “nunca, nunca, nunca desistam de seus filhos”. Seu nome é Berenice Piana e sua história de vida fornece o tom humano por trás da frieza numérica da Lei Federal 12.764, que institui a Política Nacional de Proteção aos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.
Sancionada em 2012, a Lei Berenice Piana se tornou o primeiro caso de sucesso no senado como legislação participativa e até hoje constitui-se como objeto de estudo de advogados, juristas e estudantes de Direito. Tudo começou com o olhar materno de Berenice acerca das necessidades pelas quais seu filho, Dayan, e os outros autistas passam diariamente.“Ser mãe de um autista é ser mãe amor, mãe sentimento, mãe doação. Nós matamos vários leões por dia, pois todos os dias temos uma batalha diferente. Nós nunca sabemos quais problemas iremos enfrentar com o próprio filho e com a sociedade em geral, mas isso nos fortalece”.
De acordo com a classificação do Ministério da Saúde, o autismo é um Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD), causado por defeitos em parte do cérebro, especialmente no cerebelo. Mas para aqueles que lutam ao lado de pessoas especiais, as rotinas elaboradas, o isolamento, os movimentos repetitivos e a ansiedade excessiva, sintomas característicos da síndrome, não são defeitos. O único defeito mesmo é a falta de políticas públicas.
Em um determinado momento, Berenice se viu tocada por essa lacuna. Até meados dos anos 2000 a legislação não considerava a pessoa autista nem como deficiente nem como pessoa sem deficiência, era como se os autistas “inexistissem” legalmente. Para Berenice essa invisibilidade era inconcebível e algo precisava ser feito para mudar essa realidade. Com o apoio de grupos de pais ela iniciou uma batalha para chamar a atenção dos políticos para a necessidade de uma lei que garantisse os direitos dos autistas.
Logo a batalha converteu-se em uma grande guerra não apenas contra o preconceito e a falta de informações sobre a síndrome, mas principalmente contra a burocracia. Armada de coragem e incentivada por seu pai, Berenice inicialmente tentou enviar e-mails para deputados e senadores com o intuito de sensibilizar os políticos.
Contudo, as primeiras tentativas caíram por terra, fracassadas. Os e-mails enviados com tantas expectativas sequer obtiveram respostas. Todavia, nada disso fez com Berenice esmorecesse, pelo contrário a luta se fortaleceu diante das adversidades. A mãe que ora se convertera em ativista , transformou-se em uma ávida espectadora das emissoras de TV do Congresso.
Nada disso era em vão. Enquanto assistia as votações em plenário, Berenice usava de psicologia.
Entre um intervalo e outro na programação, ela procurava traços de humanidade nos parlamentares, seja por um olhar, um sorriso, um gesto, alguém ali seria empático o suficiente para compadecer-se da causa, ela pensava quase que intuitivamente.
O palpite estava certo. Dessa vez, um novo e-mail carregado de esperança uniu os destinos de Berenice Piana e do Senador Paulo Paim (PT/RS). Paulo, que por trás do cargo também é gente, não só respondeu o e-mail como concordou com a necessidade de criação da lei. Para tanto, o senador sugeriu que o projeto fosse uma iniciativa popular por meio da legislação participativa.
Como resultado, milhares de amigos dos autistas lotaram o plenário durante as votações da proposta. A maioria vestia peças de roupas na cor azul, símbolo da luta pela conscientização do autismo. Após a sanção da presidente Dilma Rousseff, em 27 de dezembro de 2012, muita gente pôde comemorar, soltando o grito preso na garganta há tempos.
Esse é o caso de Silvana Modesto, mãe que há mais de 20 anos defende os direitos dos autistas.
“ Meu filho teve um diagnóstico tardio, aos oito anos, e na época ninguém sabia o que era autismo em Goiânia. Me lembro de ter tido desconfianças acerca da avaliação médica dele e levantei essas suspeitas aos pediatras, que negaram a hipótese de autismo. Tive que ir a São Paulo, onde o Victor recebeu o diagnóstico correto.” aponta
Hoje o grande anseio dos pais é conseguir tirar a lei Berenice Piana do papel. Na prática ainda há muito o que se fazer para que saúde e educação gratuitas estejam ao alcance de todos os autistas. No entanto, quem abraça Berenice Piana como eu tive a oportunidade de abraçar, fica marcado para sempre pelo lema “nunca, nunca, nunca desistir”.
Ao me despedir dessa mulher formidável, minha curiosidade de repórter dá lugar a uma última pergunta. - Qual mensagem de motivação você gostaria de passar para os familiares de autistas?- questiono.
Com muita paciência ela responde. - “Não errem por negligência. Não se desiste de um filho jamais, ninguém pode desistir de seu filho, quando eu não desisto do meu eu não desisto do seu e de tantos outros por ai. Deixemos o eu de lado e coloquemos o nós na nossa vida, porque sempre que olhamos para o coletivo estamos plantando o nosso futuro a longo prazo. Não abandonem a luta, vale a pena, vale muito.”